x x

DOENÇAS INFECCIOSAS BACTERIOLOGIA IMUNOLOGIA MICOLOGIA PARASITOLOGIA VIROLOGIA

 

 

 

PARASITOLOGIA  -   CAPÍTULO TRÊS

PARASITOLOGIA MOLECULAR:  TRIPANOSSOMAS

CÉLULAS EUCARIÓTICAS COM UM JEITO DIFERENTE DE FAZER AS COISAS  

 

Dr Richard Hunt
Emeritus Professor
University of South Carolina School of Medicine

Tradução: PhD. Myres Hopkins

EM INGLÊS
SHQIP - ALBANIAN
Dê a sua opinião
CONTATO
SEARCH
E-MAIL
DR MYRES HOPKINS
ESCOLA DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DA CAROLINA DO SUL
  
Logo image © Jeffrey Nelson, Rush University, Chicago, Illinois  and The MicrobeLibrary


Trypanosome trypomastigotes (Trypanosoma spp.).
  © Dennis Kunkel Microscopy, Inc.  Used with permission

Nesta seção veremos a doença tripanossomíase e o ciclo de vida dos parasitas que a provocam. Os aspectos interessantes do ciclo de vida nos conduzem às maneiras pelas quais o parasita adquiriu vias bioquímicas não usuais para se adaptar ao seu nicho. Estas oferecem alternativas potenciais para a quimioterapia.

Tripanossomas são parasitas bem sucedidos que conseguem escapar da resposta imune do hospedeiro; isto acontece através de um mecanismo muito complexo de mudança de antígenos e é o conhecimento deste mecanismo que nos guia aos primeiros passos para o desenvolvimento de uma vacina anti-tripanossoma.

TRIPANOSSOMAS

Tripanossomas pertencem à ordem KINETOPLASTIDA, assim chamada devido à grande estrutura que contém DNA, o cinetoplasto, encontrada na base do flagelo. 

 

   

DOENÇAS CAUSADAS PELOS TRIPANOSSOMAS

Espécies de tripanossoma

Espécies Distribuição Espécies que exibem a doença Vetor Doença Tratamento
Trypanosoma brucei gambiense Oeste da África humanos

Glossina  palpalis (Môsca tse-tse)

Image143.gif (80901 bytes)
© OhioState University, 
College of Biological Sciences

 

Tripanossomíase (Doença do sono) 
crônica

 

wint sign.jpg (98124 bytes) Sinal de Winterbottoms (CDC) Suramin, pentamidina e berenil: podem curar a infecção se administrados antes da invasão do sistema nervoso. Difluorometilornitina (DMFO) mesmo se o parasita invadiu o cérebro.
Trypanosoma brucei rhodesiense Leste da África humanos Glossina morsitans Tripanossomíase (Doença do sono) 
aguda
sleep patient.jpg (126511 bytes) Paciente com doença do sono avançada (CDC) Idem
Trypanosoma brucei brucei África Gado, antílope, cavalos, camelos Glossina pallidipes Nagana 
aguda
ndama.jpg (14003 bytes) Ordenhando com nagana  © WHO  
Trypanosoma congolense África Gado, antílope, cavalos, camelos Glossina morsitans Nagana
crônica
   
Trypanosoma vivax África Gado, antílope, cavalos, camelos Glossina morsitans Nagana 
aguda
   
Trypanosoma equiperdum África Cavalos, jumentos Nenhum (transmitida durante o coito) Dourine
aguda
   
Trypanosoma evansi África Camelos, cavalos, veado Môsca Tabanid

tabanid.jpg (12711 bytes)
From Rob Hutchinson

 

Sura    
Trypanosoma equinum   Camelos, cavalos, veado Môsca Tabanid Mal de Caderas    
Trypanosoma cruzi América do Sul e Central  

Reduvídeos: Rhodnius prolixus

Image155.gif (47451 bytes)

© OhioState University, 
College of Biological Sciences

 

Doença de Chagas   Não há tratamento eficiente. As drogas disponíveis apenas matam os parasitas extracelulares. O tratamento é mais bem sucedido durante a fase aguda - com um sucesso de 60%. Benznidazol e Nifurtimox: drogas atualmente escolhidas. Requeridas diariamente por até 2 meses ou mais. Hospitalização pode ser necessária devido aos efeitos adversos

Espécies de Leishmania

Leishmania donovani Mediterrâneo, África, Índia, China, América do Sul humanos

Velho mundo: Flebótomos (Phlebotomus sp)

sandfly.jpg (18255 bytes)
Tom Evans)

Novo mundo:  Lutzomyia chagasi

Kala-Azar (febre Dum-Dum) Leishmaniose visceral   Compostos antimoniais
Leishmania tropica Mediterrânea, África, Índia humanos Flebótomos (Phlebotomus sp) Leishmaniose tegumentar (botão do oriente)

leishmaniasis.gif (59060 bytes)

Lesão leishmânica de pele  ©  Dr J. Carl Fox, University of Oklahoma (used with permission)

O único tratamento eficaz é com drogas antimoniais - efeitos colaterais tóxicos severos.  Pentostam e Glucantime frequentemente usados. Aminosidina é eficaz em leishmaniose cutânea e melhor tolerada.
Leishmania major África, Oriente Médio, Índia humanos Flebótomos (Phlebotomus sp) Leishmaniose tegumentar (ferida tropical)   Compostos antimoniais
Leishmania braziliensis

L. mexicana

 

América do Sul humanos Lutzomyia sp Leishmaniose tegumentar- lesões de pele e de membranas mucosas, pólipos l.brazil1.jpg (42838 bytes) 
Lesão de bôca  
Tom Evans)

l.brazil2.jpg (41573 bytes) Lesão de mucosa nasal Tom Evans)

 

Compostos antimoniais

 

 

 

Figura 1. Môsca tsé-tsé: o vetor da tripanossomíase africana © Ohio State University, College of Biological Sciences

wint sign.jpg (98124 bytes) Figura 2 Sinal de Winterbottom (CDC de Parasitas na web)

TRIPANOSSOMÍASE AFRICANA

O vetor da tripanossomíase Africana é a môsca tse-tse (figura 1) e a distribuição dessa doença acompanha a distribuição do vetor (figura 4).

Os sintomas da tripanossomíase Africana depende do hospedeiro e das subespécies de tripanossoma. Nas infecções por T. gambiense ocorre estimulação massiva do sistema immune e lise de células hospedeiras mediadas pelo complemento (que produz anemia característica). Dor generalizada, fraqueza, câimbras e edema dos linfonodos do pescoço (Sinal de Winterbottom, figura 2). Parasitas invadem todos os órgãos do corpo incluindo o coração e o SNC. Este último leva à apatia, deficiência mental, tremores, convulsões e sono, coma. Há perda de peso rápida e morte após alguns meses de desnutrição, parada cardíaca, pneumonia ou uma infecção parasitária. No caso de infecções pelo T. brucei rhodesiense, não há coma ou sintomas do sistema nervoso, visto que os pacientes provavelmente morrem antes que esses sintomas se desenvolvam.

Recentemente em ascenção, há um mínimo de 20.000 novos casos por ano; 50.000.000 pessoas sob risco. Nagana proíbe criação de gado em grandes areas da África contribuindo para a desnutrição.



 

TRIPANOSSOMAS AFRICANOS

Estrutura de um Tripanossoma Africano

Tripanossomas são protozoários unicelulares (figura 3) com um flagelo único que contém microtúbulos em arranjo 9+2  típico de outros flagelos. Na base do flagelo está o cinetoplasto (figura 3) que contém DNA na forma de cerca de 6000 círculos contatenados. O DNA cinetoplástico  corresponde a 10% do DNA cellular total e é o local importante de ação de algumas drogas anti-tripanossomas, tais como Ethidium® . O cinetoplasto é parte da mitocôndria única e longa que muda de morfologia durante os vários estágios do ciclo de vida.

A maioria das outras organelas são as típicas de qualquer célula eucariótica. Na superfície da célula existem microtúbulos peliculares sub-membranosos que dão forma ao tripanossoma. Estes se situam suportando uma membrana plasmática que está frequentemente coberta por uma capa na superfície eletricamente densa (figure 3).

 

 

Figura 3   

Epimastigotas crescidos em cultura; cinetoplasto (KP) está anterior ao núcleo (N). Na maioria das espécies de tripanossoma, este estágio reproduz-se no intestino do vetor. © Universidade Estadual de Ohio, Colégio de Ciências Biológicas

Tripomastigotas em esfregaço sanguíneo; cinetoplasto está posterior ao núcleo. Este estágio é encontrado em todas as espécies de tripanossomas, e na maioria das espécies é o único estágio que reproduz em hospedeiros vertebrados (humanos). © Universidade Estadual de Ohio, Colégio de Ciências Biológicas

pellicle.jpg (81042 bytes)   pellicle 2.jpg (33001 bytes)  Película membranosa de um tripanossoma. Esquerda: A membrana plasmática foi rompida para revelar os microtúbulos  (seta). Micrografia eletrônica com coloração negativa. Direita: Micrografia eletrônica. Fina camada mostrando microtúbulos (seta) e membrana plasmática

thin sect1.jpg (51066 bytes)  TFina seção de um tripanossoma (Leptomonas collosoma) mostrando o cinetoplasto (k) que é a região que contém DNA da única mitocôndria (m). O cinetoplasto é encontrado na base do flagelo e da bolsa flagelar (fp)

 

Figura 4    

 

   Diagrama que mostra as principais estruturas reveladas por microscopia eletrônica da forma tripomastigota do tripanossoma salivar Trypanosoma congolense. É mostrado corte em seções sagitais, exceto a maior parte da fossa do flagelo e a extremidade anterior do corpo. (Adaptado de Vickerman, K., 1969. J Protozool. 16:54-69.) (Nota: as três sub-espécies (rodesiense, gambiense e brucei) não podem ser distinguidas morfologicamente)

 Ciclo de vida do Tripanossoma rodesiense  

africa1.jpg (62295 bytes) Distribuição da Doença do Sono do Oeste da África (ou Gambiense) e do Leste da África (ou rodesiense)

africa2.jpg (161149 bytes) A distribuição da mosca tse-tse e áreas de criação de gado
 

 

Figura 5    

 
   Ciclo de vida do Trypanosoma brucei. Estágios do desenvolvimento encontrado na corrente sanguínea do hospedeiro mamífero, o intestino medio da tse-tse, e as glândulas salivares da tse-tse. Redesenhado de Vickerman 

  Durante um repasto sanguíneo no hospedeiro mamífero, uma môsca tse-tse infectada (gênero Glossina) injeta tripomastigotas metacíclicos no tecido da pele. Os parasitas entram no sistema linfático e passam para a corrente sanguínea  Dentro do hospedeiro, eles se transformam em tripomastigotas da corrente sanguínea  , são levados a outros locais através do corpo, atingem outros fluidos corporais (ex. linfa, fluido espinhal), e continuam a replicação por fissão binária  O ciclo de vida inteiro dos Tripanossomas Africanos é representado por estágios extracelulares. A môsca tse-tse se torna infectada por tripomastigotas da corrente sanguínea quando fazem um repasto sanguíneo em um hospedeiro mamífero infectado ( ,  ).   No intestino médio da môsca, os parasitas se transformam em tripomastigotas procíclicos, se multiplicam por fissão binária  ,  deixam o intestimo médio e se transformam em epimastigotas  Os epimastigotas atingem as glândulas salivares da môsca e continuam se multiplicando por fissão binária  O ciclo na môsca dura aproximadamente 3 semanas. Humanos são o reservatório principal do Trypanosoma brucei gambiense, mas estas espécies podem ser também encontradas em animais. Animais selvagens são os principais reservatórios do T. b. rhodesiense.

DPDx, Divisão de Doenças Parasitárias CDC.  

 
 


 

Formas do T. Brucei em mamíferos e insetos hospedeiros

Os vários estágios do ciclo de vida do T. brucei em cada um de seus hospedeiros pode ser distinguido morfologicamente (figura 5)

 

 Figura 6 Via glicolítica em formas longas-delgadas do T. brucei. Os sítios principais de inibição por drogas tripanossomicidas in vivo são indicadas por setas vermelhas. Abreviaturas: SHAM, ácido salicilhidroxâmico; G-6-P, glucose-6-fosfato; F-6-P, frutose-6-fosfato; FDP, frutose-I,6-difosfato; GAP, gliceraldeído-3-fosfato; DHAP, dihidroxicetona fosfato; GP sn-glicerol-3-fosfato; diPGA, 1,3-difosfoglicerato; 3PGA e 2PGA, 3- e 2-fosfoglicerato, respectivamente; PEP, fosfoenolpiruvato.

Bioquímica e biologia molecular de tripanossomas africanos

Metabolismo oxidativo

Todos os organismos vivos fazem ATP como um carreador de energia. Este é produzido principalmente pela oxidação de carboidratos usando a glicólise e o ciclo dos ácidos tricarboxílicos (TCA) (figura 6). Devido ao fato de animais de vida livre (como nós) não termos uma abundância em alimentos, nós precisamos de um ciclo TCA mais eficiente para a maior parte de nossa produção de ATP.

O tripanossoma encontra ambientes muito diferentes em diferentes estágios do seu ciclo de vida. Na corrente sanguínea dos mamíferos há uma abundância de oxigênio e glicose. O oposto acontece no intestino do inseto ou na hemolinfa. Isso se reflete no número de reações de glicólise e ciclos do TCA que podem ocorrer na elaboração do cinetoplasto/mitocôndria. Claramente, se um organismo pode prescindir do TCA ele pode também prescindir da mitocôndria.

As formas de T. brucei no intestino do inseto têm um complemento completo de enzimas do TCA e da glicólise. Isso não é de surpreender pois nutrientes NÃO são abundantes; na maioria dos organismos que usam fosforilação oxidativa a produção de ATP é sensível ao cianeto porque os citocromos a/a3 reagem com cianeto e não podem mais transferir um elétron para o oxigênio para formar água; entretanto, a fosforilação oxidativa nas formas intestinais de insetos de Tripanossomas é apenas PARCIALMENTE SENSÍVEL AO CIANETO. O sistema a/a3 ainda é sensível a CN- mas em Tripanossomas existe um sistema citocromo O adicional que é insensível ao CN- . Pouco se sabe sobre o sistema citocromo O. No inseto, a fermentação aeróbica parcial produz succinato, piruvato, acetato e também dióxido de carbono. Prolina é uma fonte de energia importante.

As formas de T. brucei na corrente sanguínea de mamíferos usam somente uma glicólise ineficiente porque há muitos nutrientes disponíveis; visto que glicólise produz muito menos ATP do que o ciclo do TCA, a respiração é 50 vezes maior que a de uma célula normal de mamífero , e na corrente sanguínea T. brucei usa 10 vezes mais quantidade de energia do que no intestino do inseto.

Observação das aulas de bioquímica: Se você usa apenas a glicólise para fazer ATP como é feito na respiração anaeróbica nos nossos músculos ou em levêdos, você não pode excretar simplesmente piruvato, que é o que o tripanossoma faz na verdade, pois você irá reduzir todo o seu NAD+ a NADH e a via tôda vai parar por falta de substrato oxidado. Nós convertemos piruvato a lactato  enquanto que os levêdos convertem piruvato a etanol para oxidar nossos NADH de volta a NAD+ e a glicólise continua. Tripanossomas excretam piruvato e têm outra forma de converter NADH de volta a NAD+.

Em tripanossomas, o metabolismo da di-hidroxicetona fosfato é necessário para a reoxidação do NADH. Este é um sistema aeróbico que requer entretanto oxigênio, mas o consumo de oxigênio é insensível a CN- e porisso não usa a cadeia do citocromo normal. Uma desidrogenase contendo FAD ligado a oxidase contendo cobre.  Este complexo é o sistema glicerofosfato-oxidase. Tripanossomas na corrente sanguínea dependem deste mecanismo, que mantém o NAD oxidado. O sistema é o alvo de duas drogas tripanocidas: SURAMIN e SHAM (ácido salicílico-hidroxâmico), que é um agente quelante. A oxidase terminal contém cobre. Essas drogas têm suas especificidades, pois esta é uma via metabólica que os mamíferos não usam.

Há uma outro fato excêntrico no metabolismo dos carboidratos de tripanossomas. Diferentemente da célula de mamífero, as nove primeiras reações da glicólise estão associadas a uma organela (GLICOSSOMA). Por que tripanossomas precisam compartimentalizar a glicólise, não está claro. A finalidade de um compartimento é que todas as enzimas estejam concentradas em um mesmo lugar. Mas a difusão não parece ser fator limitante em células que não têm glicossomas.

 

 
Morfologia do cinetoplasto

Muda com o metabolismo

Tripomastigotas finos na corrente sanguínea: mitocôndrias simples, poucas cristas curtas e tubulares

Curtos e grossos na corrente sanguínea: elaboração de mitocôndrias, síntese de enzimas mitocondriais

Intestino médio da môsca: elabora uma matriz de cristas em forma de placa. Mitocôndrias se estendem anteriormente e posteriormente a partir do cinetoplasto.

Môsca metacíclica: degeneração das mitocôndrias 

 

surface2.jpg (20402 bytes)  Figura 7 Eletromicrografia da capa de superfície da forma de mamífero de um tripanossoma. A seta rosa indica a capa e a seta azul indica a membrana plasmática

  Figura 8 Ondass sucessivas de parasitas no sangue são características da doença do sono e se correlacionam com ciclos de febre. Uma população de parasitas (com algumas glicoproteínas variáveis de superfície (VSGs)) se dividem na corrente sanguínea em um període de dias. Alguns desses tripanossomas têm VSG A na sua superfície (clone A). O sistema imune produz anticorpos contra toda a população de antígenos e, como resultado a maioria dos parasitas morre. Alguns tripanossomas entretanto mudam suas capas e expressam outra VSG (ex. VSG B). Esses parasitas sobrevivem ao expressarem um novo gene de VSG e originam uma nova população (clone B). Na hora certa, o hospedeiro produz anticorpos contra VSG B e as células do clone B morrem, mas novamente algumas células mudam suas capas e sobrevivem.  Este ciclo é repetido muitas vezes no curso de uma infecção crônica pois os parasitas continuam expressando novos genes e exibindo novos antígenos VSG. A partir de cada população sucessive é possível se isolar tripanossomas individuais e a partir deles crescer clones expressando determinadas VSGs.

 

Reações do hospedeiro ao parasita

Qualquer parasita tem problemas quando reside em outro organismo. Este último provavelmente vai montar uma resposta imune ao parasita que poderá destruí-lo. Alguns parasitas se escondem em superfícies que enganam o sistema imune fazendo-se passar como células normais. Outros parasitas (incluindo Trypansoma cruzi) entram nas célula para fugir do sistema imune. T. brucei não faz nem um nem outro. Ao invés disso:  

O parasita é muito antigênico, o que é uma explicação para os sintomas exibidos em um paciente infectado. Mas o número de parasitas na corrente sanguínea não vai aumentando, aumentando até a morte do paciente. O paciente tem ondas de febre e ciclos na infestação pelo parasita. As ondas de parasitemia se correlacionam com a febre observada. O número de parasitas no sangue mostra ondas enquanto o sistema imune se recupera parcialmente da  infecção. A natureza cíclica da parasitemia é muito característica.

 Então, por que a resposta imune massiva montada pelo indivíduo infectado não elimina o parasita como deveria? Apesar da resposta imune massiva com elevados níveis de Ig (especialmente IgM) e profunda proliferação de linfócitos B, deve acontecer uma mudança em alguns tripanossomas da população total que permite que eles semeiem uma nova geração de parasitas. Mais tarde, na fase crônica da infecção, órgãos linfóides são depletados de linfócitos, eles engilham e  zonas de fibrose substituem os linfócitos. A imunodepressão acontece e a parasitemia se descontrola, levando à morte.

Por que nem todos os parasitas são destruídos por esta resposta imune tão forte? Esta é a chave para o progesso da doença! A justificativa reside na superfície eletronicamente densa (figura 7) que envolve as formas do parasita na corrente sanguínea e que é o único antígeno de importância reconhecido pelo sistema imune hospedeiro.

Se clonarmos células isoladas de diferentes animais infectados ou pacientes, a capa é diferente bioquimicamente! Não só um pouco diferente, mas tão diferente que a capa de proteínas tem que ter resultado da expressão de diferentes genes tripanossomais em cada animal. Além disso, se pegarmos células de uma determinada onda de parasitemia do mesmo paciente, foi verificado que todos os tripanossomas daquela onda de microrganismos estão expressando um único antígeno de superfície, enquanto que em outras ondas, todos os parasitas estão expressando também um único antígeno mas sendo este antígeno completamente diferente (figura 8). Em outras palavras, um antígeno de superfície diferente está sendo expresso. A orla da superfície é portanto feita de ANTÍGENOS DE SUPERFÍCIE VARIÁVEIS ou GLICOPROTEÍNAS VARIÁVEIS DE SUPERFÍCIE (VSGs). Você poderá ver o têrmo VATs para designar tipos de antígenos variáveis.

Assim, escapar da resposta imune depende da habilidade de expressar um novo VSG. Visto que centenas dessas ondas de parasitemia podem ocorrer antes da morte do paciente (em uma situação laboratorial o número de ondas é muito menor que este) sem que nenhum antígeno seja repetido, deve haver o mesmo número de genes VSG. Na verdade, existem provavelmente 1000-2000 desses genes e 10% do genoma da célula é devotado a genes que expressam essas moléculas de superfície, que permitem o organismo estar um passo avante em relação à resposta imune do hospedeiro.

Isso levanta uma série de perguntas: Qual a estrutura desses VSGs? Como é feita a mudança de tipo? Como pode ser apenas um gene VSG expressado de cada vez? Como ocorre a liberação completa do VSG?

Cada glicoproteína de VSG tem um tamanho de cerca de 65kD com cerca de 500 aminoácidos e tem três domínios. No terminal N está a sequência sinal; os próximos 360 aminoácidos são normalmente muito diferentes da sequência similar em outros VSGs. Os 120 aminoácitos do terminal C são muito semelhantes em diferentes VSGs. Esta última parte está escondida do sistema imune por estar próxima da membrana plasmática.

A partir do sequenciamento de proteínas e do sequenciamento de cDNA nós obtemos uma idéia diferente da porção C-terminal da molécula. O cDNA (que dá a sequência codificada pelo gene) mostra uma sequência típica transmembrana hidrofóbica que é usada normalmente para ligar a proteína à membrana plasmática através de um pequeno domínio intracelular, mas o sequenciamento da proteína mostra que  a porção transmembrana da proteína e a parte intracelular não está na proteína madura. Estas são substituídas por uma estrutura estranha que contém açúcares, etanolamina, fosfoinositol e ácidos graxos. Esta estrutura é comum a todos os VSGs e é altamente antigênica quando purificada, mas não in vivo. Isso sugere que os VSGs da capa estão empacotados para excluir anticorpos. Portanto, este sítio não tem utilidade no desenvolvimento de vacinas.

 

  Figura 9 Quando um tripanossoma africano expressa uma nova capa, esta está frequentemente associada com o aparecimento de uma nova cópia do gene daquela capa. Isso se chama de cópia ligada à expressão.
Como ocorre a expressão sequencial das VSGs?

Digestão por endonucleases de restrição, eletroforese em gel e Southern blot nos permite fragmentar o genoma de tripanossomas em pedaços. Podemos então detectar um gene determinado no genoma que apareça no nosso gel pela hibridização dele com uma sonda complementar. Esta última normalmente é um cDNA produzido por um molde de RNAm ou de um gene clonado.

Se formos bem sucedidos em nossa fragmentação e se existe somente um gene no genoma para uma determinada proteína, nós veremos apenas uma banda de hibridação no gel (contanto que uma endonuclease não tenha clivado o gene). Tais análises mostraram que cada gene VSG era normalmente expresso apenas uma vez no genoma, o que não é de surpreender pois genes VSG constituem uma determinada porção do genoma e cópias múltiplas iriam ocupar uma porção do genoma muito grande.

Nós poderemos isolar DNA de organismos da primeira, segunda, terceira e quarta onda de parasitemia (clones A, B, C e D). Podemos então hibridizar estes DNAs após fragmentação com uma sonta que detecte o gene expressado na segunda onda, que está no clone B. Encontraremos que os clones A, C e D (que não estão expressando VSG B) têm apenas uma cópia do VSG B.

Entretando, um resultado muito surpreendente foi encontrado, como mostrado no diagrama da esquerda (figura 9), quando usamos uma sonda para o gene que codifica para VSG B em células que estão expressando VSG B.

 

 
Há uma cópia extra do gene que está sendo expresso neste clone específico de tripanossomas. É APENAS O GENE QUE ESTÁ SENDO EXPRESSADO QUE OCORRE EM UMA CÓPIA EXTRA! OU SEJA, TEMOS UMA DUPLICAÇÃO GÊNICA mas ela ocorre apenas temporariamente pois quando o tripanossoma muda para uma nova VSG a cópia extra normalmente desaparece e é substituída por outra CÓPIA LIGADA À EXPRESSÃO (ELC).  É a cópia extra que está sendo transcrita em RNAm para ser traduzida em proteína, e não a cópia que está permanentemente no genoma. A nova cópia está em um SÍTIO DE EXPRESSÃO. Sítios de expressão estão sempre perto de um TELÔMERO, que está perto do término de um  cromossoma. Uma ELC e um gene permanente podem estar em cromossomas diferentes. Isso sugere um mecanismo de cópia/translocação para um cassete de informação. Às vezes, uma cópia ligada à expressão não é produzida e a cópia permanente é transcrita. Esses genes não ELC transcritos estão sempre nos telômeros. A cópia temporária de um gene e o uso da cópia é muito incomum.

Podem os genes ser expressos em qualquer ordem? Existe uma sequência de expressão pré-programada? Poderia se suspeitar que não, visto que existem milhares de genes VSG e a capacidade de se usar todos eles seria uma vantagem seletiva. De fato, a ordem não é absoluta. No início da fase infectiva, VSGs são produzidas por parasitas nas glândulas salivares do inseto. Um subconjunto do repertório (cêrca de 12) das VSGs são produzidas aí. Isso se mantém durante a primeira onda de parasitemia no mamífero. O repertório completo é então aberto para expressão e há uma ordem de expressão preferida mas não uma ordem fixa de expressão. Cada gene pode ser expresso apenas uma vez durante uma infecção. Note que o fato de que há um sub-conjunto inicial de VSGs que são expressos traz esperança para uma vacina.

RNAm de tripanossomas são também muito diferentes. Quase todos os RNAm observados começam com os mesmos 35 nucleotídeos. Estes são codificados por um exon distante do resto do gene.

Desfolhando a capa de VSG

Será claramente importante que o parasita desfolhe toda esta capa em um determinado momento para sobreviver à resposta imune que está sendo desenvolvida contra sua VSG original. Vimos antes que a forma da VSG na superfície da célula é ligada através de uma sequência transmembrana glicolipídica e não protêica. Isso pode dar um indicativo de como ocorre o desfolhamento.Uma fosfolipase C específica para o tripanossoma e para a VSG é encontrada nas formas na corrente sanguínea. Assim, uma vez que todas as VSGs têm a mesma estrutura de ligação, uma enzima é necessária para a clivagem rápida e completa.

Possibilidades de quimioterapia

A existência de possivelmente 2000 genes de VSG torna uma vacina de largo espectro muito improvável. Infelizmente, os antígenos comuns estão enterrados e escondidos da resposta imune. Talvez um agente que interaja com a sequência de 35 nucleotídeos dos RNAm que são encontrados em todos os tripanossomas mas não nos RNAm do animal hospedeiro seria eficiente, mas nada se sabe sobre isso. A melhor possibilidade é uma vacina contra os mais ou menos 12 antígenos iniciais que são expressados nos organismos que são injetados pela môsca tsé-tsé. Alternativamente, um inibidor de fosfolipase C poderia ser um candidato muito bom.

 

 
Extraordinária edição de RNA pelos tripanossomas: O mistéria dos genes desaparecidos

Esses organismos têm sido demonstrados como bioquimicamente esquisitos sob muitos aspectos, mas quando alguns dos achados em tripanossomas são observados em outras espécies, estes processos aparentemente peculiares são verificados como não tão peculiares afinal.

Os tripanossomas têm um genoma muito estranho. Os cromossomas não condensam na divisão nuclear e por isso não podemos saber quantos cromossomos existem. Os genes nucleares incluem 1000-2000 genes que codificam para os antígenos variáveis de superfície que permitem que a orla dos organismos seja modificada regularmente para que ele possa evitar a resposta imune. A maneira como isso é feito é extraordinário e envolve a mudança de uma nova cópia de um gene para um sítio de expressão quando isso for necessário. Até 10% do genoma é composto desses genes de antígenos variáveis de superfície.

Além disso, existe um cinetoplasto. Esta estrutura rica em DNA se posiciona na base do flagelo e está em um dos terminais de uma única e longa mitocôndria do flagelado. Ela é equivalente  ao DNA mitocondrial de todas as outras células, mas ela corresponde a uma proporção muito maior do DNA da célula do que ocupa o DNA mitocondrial de círculo único de outras células. Lembrem-se de que nossas mitocôndrias podem codificar para algumas de suas próprias proteínas (algumas subunidades do citocromo e do ribossoma) juntamente com todos os RNAs  mitocondriais e ribossomais e todos os RNAs transportadores mitocondriais. Embora o DNA do cinetoplasto seja muito mais elaborado e ocupe uma proporção maior do DNA da célula, ele não codifica para nenhum RNA ou proteína a mais do que outros DNAs mitocondriais. De fato, alguns dos RNAt do cinetoplasto não são codificados por este DNA e precisam ser importados do citoplasma, o que não é o caso das mitocôndrias de mamíferos. O mecanismo desta importação nao é conhecido.

A ração por que o DNA do cinetoplasto faz tamanha proporção do DNA total das células é a sua complexidade.

Ele contém 20-50 cópias de um MAXICÍRCULO de 22kb que é equivalente ao DNA mitocondrial em qualquer outra mitocôndria. MAS, além disso, existem até 10,0000 MINICÍRCULOS de 1kb de função até recentemente desconhecida. E eles são ainda mais estranhos: eles formam uma rêde de círculos concatenados.

Como dito antes, entre as coisas que são codificadas pelo maxicírulo de DNA estão o RNA ribossomal da mitocôndria e uma variedade de enzimas da cadeia respiratória da mitocôndria. Há também algumas ORFs (fases de leitura abertas) não identificadas no maxicírculo de DNA.

 

 
O enigma da citocromo-oxidase de alguns tripanossomas, especialmente Trypansosma brucei

Em todos os tripanossomas que têm sido estudados, a subunidade III (CO III) da citocromo-oxidase é codificada no DNA cinetoplástico. Todos, quer dizer, exceto T. brucei não só fazem tudo mas T. brucei têm seus genes para COIII no DNA cinetoplástico, mas eles estão todos na mesma posição dentro daquele DNA. Já com a exceção do gene COIII, o DNAk de T. brucei parece muito mais com o dos outros dois tripanossomas Crithidia fasciculata e Leishmania tarentolae.

A única verdadeira diferença é a ausência do gene para COIII. Nas outras duas espécies, este gene está a montante do gene do apocitocromo b. Significa isso que o T. brucei não tem a subunidade III da citocromo-oxidase? Não, ele tem que ter pois ele tem que realizar a fosforilação oxidativa. Além disso, o RNAm e a proteína estão claramente no organismo. Talvez este gene simplesmente não esteja no mesmo lugar que o gene similar em outros tripanossomas. Mas nós não o encontramos em lugar nenhum. Sondagem de DNA do núcleo e do citoplasma mostra que não existe o gene. Como podemos ter uma proteína e um RNAm sem ter um gene que os codifique?

Visto que em outros tripanossomas que têm claramente o gene para COIII ele está sempre no mesmo lugar, talvez devêssemos observar melhor esta região do genoma do cinetoplasto! Então o que existe nessa região do DNAk de T. brucei? Existem algumas fases abertas de leitura que podem codificar para pequenas proteínas mas nada do tamanho de uma proteína COIII e, em qualquer caso, as duas maiores têm que iniciar em um códon AUG e porisso não podem codificar para uma proteína verdadeira. E mesmo se elas codificassem elas iriam codificar para uma proteína muito estranha que seria muito rica em aminoácidos carregados pois o DNA nesta região é muito rico em G-C.

Como já foi dito, investigadores têm procurado o gene para COIII em outro lugar do DNAk maxicírculo e não encontraram. O DNAk em maxicírculos e minicírculos agora está sequenciado. Usando sondas que detectam o gene de COIII em L. tarentolae e C. fasciculata, não encontramos nenhum gene COIII aparente em maxicírulo ou DNA nuclear de T. brucei.

Isso quer dizer que o gene para COIII está faltando OU é altamente divergente tanto que as sondas não pegam. Mas, novamente, como dito acima, ele não pode faltar pois o T. brucei tem um sistema de citocromo sensível a cianeto semelhante aos outros dois. E não seria de se esperar que ele fosse tão divergente em virtude do extremo grau de  conservação dos genes de COIII em todos os outros tripanossomas que têm sito estudados.

Se você não pode encontrar o gene, você pode pensar em observar os transcritos, ou seja, os RNAm.

Foram encontradas evidências de um transcrito para um RNAm em T. brucei que tem uma sequência similar à do gene de COIII em outros tripanossomas. A similaridade das sequências permite a determinação da fase aberta de leitura correta para o transcrito de T. brucei.

Dos 181 aminoácidos preditos pela sequência, 135 são conservados entre os três. Se pegarmos substituições conservativas e as conservadas em uma outra espécie nós encontramos que 160 de 181 são conservadas. Este nível de conservação (88%) é ligeiramente melhor do que entre genes em maxicírculos de T. brucei e L. tarentolae onde a conservação varia de 65% a 84%.

 

 
Isso significa que deve haver um gene para a proteína COIII em T. brucei, mas onde ele está?

E aí, a pergunta novamente: Há uma sequência genômica que combine com o transcrito de COIII?

Antes foi mostrado que a hibridização heteróloga usando sondas de COIII de L. tarentolae e C. fasciculata probes não detectou sequências de COIII  em genes de T. brucei. Isso foi confirmado por análises por Southern blot usando sondas que foram preditas a partir da sequência que foi obtida para o transcrito. As sondas não hibridizam com DNAk ou com DNA total.

Nenhuma detecção foi encontrada com sondas que detectariam 0.5 cópias do gene por genoma.

Visto que não há gene aparentemente para esses transcritos em in T. brucei, duas possibilidades existem:

1. O transcrito foi feito por processamento que juntou pequenos fragmentos do RNA transcrito de regões múltiplas. Há afinal de contas precedentes de mini-exons no sistema de tripanossomas. Há dados que tendem a excluir esta possibilidade.

2. Existe uma intensa edição do transcrito após ou durante a transcrição, de forma que o transcrito final não se parece nem de longe com o gene de onde foi transcrito.

Agora, vamos voltar ao genoma do cinetoplasto. O gene TEM que estar lá, só que não conseguimos detectá-lo.

E o lugar para procurar pelo gene de COIII seria imediatamente a montante do gene do apo-citocromo b, onde o gene de COIII estaria localizado em tantos outros tripanossomas.

A sequência nesta posição que nós vimos não contém fases abertas de leitura grandes, cujos códons de iniciação tenham sido reinvestigados. Mas, de fato, a sequência desta região combina com a sequência do transcrito exatamente, EXCETO pela presença de uridinas no transcrito que não estão no DNA do gene. Aviso: os códons de iniciação são ATG e isso explica a ausência de códons de iniciação no gene. A ausência de 25% dos nucleotídeos explicam as fases abertas de leitura menores. Isso também explica o alto conteúdo de G-C.

Em virtude das diferenças entre as sequências de RNA e DNA, apenas o número e posições das Us são afetados; Cs, Gs, e As ocorrem na mesma sequência no RNAm e no DNA genômico.

Dos 626 nucleotídeos sequenciados inicialmente nos transcritos de COIII de T. brucei COIII, 347 são URIDINAS que não são codificadas pelo gene. Elas são adicionadas em 121 locais diferentes.

Em um desses locais, a adição de uma U cria um códon de parada, exatamente onde o códon de parada nativo ocorre nos outros genes de COIII.

Além disso, 16 uridinas, preditas pela sequência genomica em 7 locais aparecem como deletadas.

A porção do transcrito codificadora da proteína contém 315 adições e 15 deleções em 546 nucleotídeos.

Assim, 58% da parte codificadora do RNAm resulta de edição e não está no gene original.

A edição é a razão pela qual sondas de cDNA não hibridizam com o DNA genômico.

Para que esta edição?

Uma sugestão para essa edição é que ela pode servir como um mecanismo de controle durante o ciclo de vida complexo do parasita. É claro, não usando Us o gene economiza espaço. Será?

Como ocorre a edição? O que determina onde devem ser colocadas ou retiradas as Us? Existe um transcrito original que corresponda à sequência genômica do cinetoplasto?

A primeira etapa é de fato fazer um transcrito que seja complementar à sequência genômica. Este é então editado para colocar ou retirar uridinas em locais específicos. A sequência de um ácido nuclêico é normalmente determinada por outro ácido nuclêico e uma classe de RNAs inteiramente nova que é até o presente própria de tripanossomas, é usada para isso. Esses pequenos RNAs são chamados RNA-guias (RNAg) e são codificados por regiões do maxicírculo e do minicírculo, cujas funções não eram conhecidas previamente.

Um RNAg tem uma ponta 5' que é complementar a uma pequena região do transcrito de RNAm inicial da COIII não editada (perto da ponta 3'). No final desta região do RNAg haverá uma ou mais adenosinas, que não estão no transcrito primário, seguidas de mais sequência e de uma cauda puli-U. No local de não complementaridade o transcrito primário é cortado por uma endonuclease e uma U (da cauda puli-U) é transferida (pela U-terminal transferase). Esta é agora complementar à A no RNAg. Se houver outra A no RNAg, outra U será adicionada ao transcrito primário e isso continua até que não haja outra A na sequência. Este é o sinal para uma enzima ligase ligar o terminal 5' original do transcrito primário à U (ou Us) recentemente inseridas na ponta 5' da porção 3' do transcrito primário. Presumívelmente agora o RNAg se dissocia. Mas agora uma nova sequência contendo Us está presente no transcrito primário inicialmente editado e este é reconhecido por um RNAg diferente, que pode continuar editando de 3' para 5' do transcrito original, e intermediários no processamento foram encontrados, o que apóia esta idéia. Qualquer que seja o mecanismo nós temos uma situação extraordinária, em que a maioria das uridinas do gene são retiradas e adicionadas após a transcrição do RNAm, usando o potencial de codificação de outro grupo de genes que codificam para RNAgs. Isso parece muito ineficiente e foi  encontrado apenas em tripanossomas e nesse nível.

 

 

 

 

Figura 10 Vetor: Triatoma infestans (insetos  assassinos) e espécies relacionadas e gêneros (ex. Rhodnius e Panstrongylus)  
©
Ohio State University, College of Biological Sciences

 

TRIPANOSSOMAS AMERICANOS

Trypanosoma cruzi

Doença de Chagas

A doença é transmitida por insetos reduvídeos, incluindo os insetos assassinos e rodnios (figura 10) que infectam o paciente quando defeca após realizarem repasto sanguíneo.

Os sintomas da doença de Chagas são: infecção crônica, desordens neurológicas (incluindo demência), megacólon (figura 11), megaesôfago, e lesões na musculatura cardíaca (figura 11). A doença de Chagas é frequentemente fatal, a menos que seja tratada.

Na doença agura ocorre sempre anemia severa, dor muscular e desordens neurológicas. Estas últimas são comuns em crianças menores de 2 anos, casos em que a morte acontece em cerca de um mês. A doença crônica pode ser amena, e às vezes assintomática, mas pode haver danos nos nervos provocando cessação  das contrações musculares, batimentos cardíacos irregulares e destruição de centros motores do sistema nervoso central. A forma crônica da doença é encontrada em adultos mas muito provavelmente provém de uma infecção na infância. T. cruzi pode cruzar a barreira placentária e assim mães cronicamente infectadas podem infectar seus bebês, que podem morrer com uma forma muito aguda da doença.

 

 

 

Figura 11      

Image156.gif (23883 bytes) Tripomastigota de T. cruzi 
©  Ohio State University, College of Biological Sciences

s-amer.jpg (37818 bytes) Distribuição mundial da doença de Chagas

cruziblod.jpg (23546 bytes) Trypanosoma cruzi em esfregaço sanguíneo. CDC   

Amastigotas (pseudocisto) de T. cruzi no coração de um cachorro. 
©
Ohio State University, College of Biological Sciences

 

 
chaga-child.jpg (90226 bytes)   Esta criança do Panama está sofrendo de doença de Chagas manifestada como uma infecção aguda com edema no olho direito

cruzi.jpg (43579 bytes) Trypanosoma cruzi no coração de um macaco. 
CDC/Dr. L.L. Moore, Jr. 1969
 

Ciclo de vida do Trypanosoma cruzi

mega1.gif (19148 bytes) MMegacólon em paciente com doença de Chagas

Tcruz_Cardiomeg_Despo.jpg (110188 bytes) Dilatação por cardiomegalia causada pelo T. cruzi (D. Despommier in Parasitas na web)
 

 


Assim como os tripanossomas africanos, o T. cruzi escapa da resposta imune hospedeira, mas eles não fazem isso pela mudança da capa antigênica. Porisso, eles não têm variação antigênica. Ao invés disso, eles escapam  se escondendo no interior das células. A doença começa após uma picada do inseto vetor. Após 7-14 dias os tripanossomas chegam nos linfonodos onde se dividem. Aí eles formam agregados chamados pseudocistos. Quando pseudocistos se rompem, os parasitas liberados podem entrar nas células de várias partes do corpo, incluindo tecido linfático, músculo e tecidos ao redor dos gânglios nervosos. A invasão do gângio nervoso cardíaco é a causa de muitas doenças cardíacas em áreas onde o T. Cruzi é encontrado.

Ligação e infecção da célula hospedeira

Ligação

Amastigotas se ligam à superfície celular (ex. um monócito) via uma variedade de proteínas receptoras incluindo fibronectina. O ácido siálico é importante pois células deficientes em ácido siálico não são penetradas. Curiosamente, T. cruzi tem uma enzima chamada de trans-sialidase, que na verdade coloca mais ácido siálico nas células, consequentemente aumentando a sua captação.

Entrada na célula 

A captação é feita por um processo de fagocitose induzida. Lisossomas migram para a superfície quando as células entram em contato com T. cruzi e o parasita entra em um vacúolo citoplasmático, o vacúolo parasitóforo, que é formado de um lisossoma. Assim, agentes que induzem a migração de lisossomas de áreas perinucleares para que eles se alinham próximos à membrana plasmática, aumentam a infectividade. Ao contrário, o bloqueio das funções lisossomais páram a infecção. De alguma forma, os parasitas escapam do potencial destrutivo do lisossoma e após cerca de uma hora o T. cruzi libera uma proteína tóxica que se insere na membrana a um pH baixo típico desta organela. Como resultado o T. cruzi  escapa para o citoplasma com a destruição da membrana lisossomal. 

 

 
 
  Um vetor triatomídeo (ou "bicho beijador") faz um repasto sanguíneo e libera tripomastigotas nas suas fezes próximo do local da ferida da picada. Tripomastigotas entram no hospedeiro através da ferida ou através das membranas mucosas intactas, tais como a conjuntiva  Espécies de vetores triatomídeos da tripanossomíase pertencem aos gêneros Triatoma, Rhodinius, e Panstrongylus.  Dentro do hospedeiro, os tripomastigotas invadem células, onde se diferenciam em amastigotas intracelulares  Os amastigotas se multiplicam por fissão binária   e se diferenciam em tripomastigotas, e são então liberados na circulação como tripomastigotas da corrente sanguínea  Tripomastigotas  infectam células de uma variedade de tecidos e se transformam em amastigotas intracelulares em novos locais de infecção. As manifestações clínicas podem advir desse ciclo infectivo. Os tripomastigotas da corrente sanguínea não se replicam (diferentemente dos tripanossomas africanos). A replicação recomeça somente quando os parasitas entram em outra célula ou são ingeridos por outro vetor.  O inseto se infecta ao se alimentar de sangue humano ou de animal que contém parasitas circulantes  Os tripomastigotas ingeridos se transformam em epimastigotas no intestino médio do vetor  Os parasitas se multiplicam e se diferenciam no intestino médio  e se diferenciam em tripomastigotas metacíclicos infectivos no intestino terminal  .
 

Trypanosoma cruzi pode também ser transmitido através de transfusões de sangue, transplante de órgãos, transplacentariamente, e em acidentes laboratoriais. 

 DPDx, Divisão de Doenças Parasitárias CDC.

  
 

 

 

Voltar à Seção de Parasitologia de Microbiologia e Imunologia On-line


Esta página foi modificada em
Monday, January 23, 2017


Página mantida por Richard Hunt